30 junho 2008

Vultos da Ilha

Sinta10 começa hoje uma nova rubrica que pretende (apenas) lembrar os grandes homens que se brotaram da ilha. Este primeiro post é dedicado ao poeta Januário Leite (este nome foi muito evocado nas últimas semanas por causa do caso que se estoirou no liceu que tem seu nome). Mas aqui a nossa música é outra. E a escola também... já agora!

Escola à antiga (soneto de Januário Leite)

Os óculos no nariz, bem cimentado
por densa massa de rapé imundo,
o rosto ora boçal, ora jocundo,
de tímidas crianças rodeado,

antigo professor está sentado
no meio dum silêncio o mais profundo,
solene aspecto - de aterrar o mundo,
pesada palmatória sempre ao lado.

A lição é de história. Já casmurro,
o mestre puxa a caixa de rapé.
O aluno lê: Dom Pedro quinto...um murro!

A tosca mesa abala!...o aluno em pé
encara o mestre...Que disseste, burro?
D...Pedro... V!...- D. Pedro V é que é!...

Januário Leite nasceu na Vila da Pombas, Paul, a 10 de Junho de 1867. O destino quis que morresse exactamente no dia do seu aniversários, isto é, a 10 de Junho de 1930. Autoditacta, esse grande poeta foi também, por algum tempo, professor primário e faroleiro em São Vicente.

16 junho 2008

PAXANHA

O mês de Junho é simbólico para Santo Antão. É festa... só festa que começa no dia 13 no Paul e termina em Châ d'Igreja no dia 29. É o mês em que se começa a preparar as sementeiras e esperar pelas chuvas. Os espíritos da ilha estão mais alegres, o humor sobe de tom...
Aproveitando esta onda, Sinta10 traz mais pirraça contada pelo meu irmão Jair. Mais uma vez , embora com a devida vénia, Djédjin, vou recomendando "nhó boca ca está lá"

Sinto-me saudades da minha Ribeira da Torre – da sua aura fresca que nos suaviza, das suas frutas (banana, papaia, manga, goiaba, abacate,) que se comem abundantemente, das peladas no campo de lugar de Guene, das farras debaixo das mangueiras, das menininhas bonitinhas, das gentes bem-humoradas…enfim, saudades de todas as coisas salutares que por lá abundam.
Ai-ai! De momento, não é este o meu propósito, estar a enumerar um ror das boas coisas que me faz saudoso da ilha, do meu berço Ribeira da Torre, mas sabe é impossível não sentir saudades. O meu objectivo, por ora, é compartilhar contigo, amigo leitor, as estórias divertidas - “as boas alegrias merecem partilha”, não é?
No descanso das horas vagas, geralmente depois do almoço, recordo-me das estórias e das invenções das gentes bem-humoradas da ilha. Hoje, as peripécias e as invenções de Paxanha resolveram invadir o meu pensamento. Esta personagem é apenas uma das muitas figuras notáveis no engenho de pirraças, gaiato, com um senso de humor deveras fora do comum.
Paxanha, homenzarrão de lá de Cabouco de Peregrinas, alto claro com uns bons 90/100kg - um texugo, bebedor do seu grogue como um bom santantonense, bom garfo - ainda bem, porque se não os muitos copos já o tinham mirrado o corpanzil que ostenta – pois é, Paxanha é um exímio voraz. Certo dia, na altura das sementeiras, fomos ao Lombo de Santa cumprir a missão de todos os anos - enterrar o milho, ainda que na terra ressequida, e esperar pela graça de Deus. Levamos da fértil Ribeira da Torre, mandioca, banana verde, fruta-pão, feijão ervilha seco, toucinho e demais ingredientes necessários à uma feijoada que faz delícias ao estômago. Uma senhora de lá de Lombo de Santa, muito meiga e amiga do meu pai era a encarregada de nos preparar aquele banquete – almoço feito para nove enxadeiros, mas que sobrava para alimentar Lombo de Santa inteiro, se não fosse o ímpeto destruidor deste homem - Paxanha COOOOOMEEEEEU, até que não conseguiu levantar, ficou prostrado debaixo da afável mangueira que nos serviu de sombra, não mais conseguir dar um kova de milho - um trabalhador perdido pelo resto do dia. Era um gozo, em uníssono nos tud tava dzé – "kmida kmê Paxanha", este nem nos dava ouvidos.
Como um notável comedor, ele também é um devorador de grogue. Um dia, ele panhá um fuska lá no Stakay que ficou completamente bragundo, pior que Frénk du Pi depois daquela krascada em o Rabo da Bruxa, lembra? No regresso à casa, a meio caminho, entrou num curral onde criava umas cabeças de cabras. A julgar ser este a sua casa, entrou sorrateiramente, ainda que aos tombos e deitou junto à uma cabra. Após algum tempo, a carente cabrinha enrosca no nosso perdido, este crendo ser a sua verdadeira companheira do lar, sussurra – "Méria txgá pralá, bô ti te ingôtxém!!"
Paxanha é deveras uma personagem versátil. É capaz de tudo um pouco. Este facto que te vou contar é assunto sério, por favor não gracejas, o meu pai merece todo o respeito, homem honesto e trabalhador de lá de Ribeirinha de Jorge, respeitador e respeitado por todos, palavra de honra! Só Paxanha, para brincar com coisas sérias. Não enfadonhas, amigo leitor, conto já a brincadeira de mau gosto, tramado pelo nosso gordo insolente PAXANHA. Num dia infeliz, meu pai teve a má sorte de cair de um pé de fruta-pão duma altura de pelo menos cinco metros, (os ramos desta árvore não são muito fortes, quanto menos, quando estão prenhes de frutas, o ramo desprendeu e pumba), como deves calcular meu mestre não ficou com o corpo sadio, apanhou muitas pancadas, sobretudo nas costas, quem o melhorou foi um daqueles curadores natos de lá da ilha do Chiquinho, já não me lembro o nome deste bendito homem, alto, magro, meio desengonçado, cabelos ruivos – um sueco. Através de um método incrível, ele conseguiu tirar ao meu pai vários hematomas – sangue pisado nas suas costas que o atormentava.
Passado algum tempo do incidente, o maldito Paxanha inventou e perguntou o seguinte ao meu pai – "ó Maika, bô fi David dzé kma bô kei dun asa dun avião?" Brincadeira de mau gosto, papá optou pelo silêncio a pensar como é que um filho foi capaz de dizer tamanha asneira. Quando chegou em casa confessou isto à minha mãe – esta que conhece muito bem os filhos que educou e também as diabruras de Paxanha, de pronta negou que o bom David fosse capaz de dizer tal disparate, categoricamente afirmou ser invenção de Paxanha. Meu pai não se convenceu e ficou mesmo com raiva do inocente filho. Certo dia, minha mãe, a zelar para o bem-estar do lar, encontrou o nosso visado e teve que lhe perguntar se deveras David lho disse que Martim tinha caído de uma asa de avião. Paxanha com ar de sonso respondeu – "amoje kondera, foi binkedera minha ôme, kome, Maika kerditá?" Minha mãe pediu-lhe então que fosse desenganá-lo porque anda convencido que foi da boca do coitado David que saiu a maldita frase e por isso anda descontente com ele, muito descontente.
Paxanha felizmente aceitou o pedido e numa ocasião convenceu o meu mestre que tal brincadeira foi invento seu. Paxaaaanha! E agora papá que lição? Confie sempre na sua família, porque ela é guardiã, está bem?

13 junho 2008

Santo António

Hoje é dia de Santo António. Hoje Paúl está em festa. Hoje há tambores, há missa, há procissão, há apitos, há bailes nos terraços e nas boites e, sobretudo, há bebêdêra... sim porque os santos tornaram-se todos pagãos!

Hoje lembrei-me de António de Chica com a sua Baiana (quel tamboron), de Jorge Ciric, de Jorge kêremba, de Bétchinha de Nhe Djoni, de Luciano Chantre... todos outrora, ou ainda, exímios tocadores de tambor. Mas lembrei-me também do Tutú de Selada com o seu navio. Ah, essa figura que tantas saudades deixou, ele e as suas pirraças! Essa figura especialista em diversas artes, por exemplo, em chorar os mortos. A este propósito, um dia Tutu chorava amargamente a morte de um ancião de uma das zonas de Ribeira da Torre, enquanto ultimavam os preparativos para se sair com o enterro. A determinada altura solta um "berro" profundo e demorado e quando termina a choradeira murmurou baixinho: até que emfim já bo rancá, desgróçod!!? Só que o murmúrio saiu tão alto que todos que estavam próximo ouviram.

Hahah, nessa divagação toda acabei por esquecer que estava a escrever sobre festa de Santo António. E, pior, acabei por levantar a alma do coitado Tutú.