27 maio 2008

Memórias de Puvoçon


Puvoçon (vila da Ribeira Grande) é onde estudei todo o secundário e resto do primário, isto depois de ter deixado, ao término da 3ª classe, a escola nº 9 de Lugar de Guene.

Da fresquinha casa, cuja cobertura de palha servia de ninho às galinhas (mas não era essa a escola do Póline), fui para a Escola Central, mais tarde batizada Escola Roberto Duarte Silva. O ambiente era diferente: muitas crianças, muitos professores, meninos com ares citadinos a contrastar com nós os "provincianos". Por isso, não raras vezes éramos gozados: "bsot ê de cómp", bsot ê uns cmê ovo", o que ocasionalmente culminava em brigas, tornos de pescoço ou socos.

"Bsot ê de cabeço, de cómp..." diziam. E nós : "Bsot te morá num côtche" (isto, numa alusão à orografia da vila. É que, circundada por montes, a urbe fica no meio dessas rochas o que nos levava a estabelecer uma analogia, bem depreciativa, com o cotche, recipiente esculpido em pedra/rocha e que serve de "prato" aos porcos.

A criatividade de uns e de outros ia buscando novas metáforas para qualificar o outro lado, consoante a proveniência. Eram tantas criações, mas dessa não me esqueço:

Certo dia, um coleguinha meu, bem busód, respondendo à uma das provocações de um menino de Puvoçon que zombava da sua proveniência, saiu com esta: "lembrá ei (a vila) ê único lugar que te ixisti, ondê que defunto ê que te fcá de cima de gente vive". Levantando o olhar em direcção ao cemitério do Alto de Sâo Miguel, que fica bem lá no alto (canto superior direito da foto), o busód soltou uma gargalhada ao mesmo tempo que desatava a correr, enquanto o interlocutor permanecia pensativo, talvez em busca de uma réplica que pudesse estar à altura.

21 maio 2008

PIRRAÇAS ... made in Sinta10

Depois de um período de abstinência (ou será abstenção?) Sinta10 regressa, desta vez com uma pirraça aqui contada pelo meu irmão Jair . Como diria o outro, "nha boca ca está lá"!
Ei-lá:
Falha na avaria
Ribeira da Torre sempre foi um lugar que recebe gentes de várias proveniências, (de Figueiras, de Jorge Luís, de Santa Isabel, de entre outras), lugares onde a vida é mais difícil, dado ao isolamento, pouca oportunidade de trabalho, à pobreza, etc. etc. Para quem não sabe, Ribeira da Torre, é um dos profundos vales de Santo Antão, pertencente ao concelho da Ribeira Grande. Caracteriza-se pelo verde copioso (que se estende em toda a sua dimensão) em virtude da abundância de água, um dos melhores geradores de banana em Cabo-Verde, produz muita cana para o fabrico do “famoso grogue”, muita fruta-pão, enfim, goza de grande riqueza e diversidade de produtos – há muito labor agrícola durante todo o ano, daí a justificação para a sua procura em busca de um dia de trabalho e uma vida que seja um pouco mais "eskéntxin e contente".

Ribeirinha de Jorge, particularmente, tem recebido algumas dessas pessoas, lembro-me do Fabal, do Pé de Rót, do Pé de Aranha, (estes numinhos são-lhes postos pelos rapazes buzód da zona), do Nelson e do Meteje de Deolinda, do Péd Cabeça, entre outras figuras que de certo modo alegravam e alegrem a zona com as suas peripécias, cada um a sua maneira.
Essa é boa, atente-se amigo leitor, é do Fabal.
Um belo dia este rapaz de Figueiras, magro, de estatura média, semblante sempre preocupado, “cabistonto” como diria o Mia, encontrava-se muito aflito, pois que o seu rádiozinho deixara de funcionar. Na sua aflição, passava ao redor da sua casa o Amílcar de Rozére – Mizguin, que lhe perguntou a razão daquela apoquentação. Em jeito de queixume, respondia o Fabal – moço eme tava ei te interté que nhé rédiin, de repente el txá de toká. Mine sebe u ke keme te fezé, jame ebril ma mine sebe dondé kel falha está.
Mizguin, responde-lhe com ar muito sério de quem desejava ajudá-lo na resolução do seu problema – rapaaaajje, kel falha deve estód nekel veria, ebril bo xpiá. Fabal, arreliado disse – ó repéz, go bo ti te ben dzeme kese falha está nese veria, se jáme ebril eme xpiel, el te drete? Mizguin, pertinaz, insiste – jame dzéb ke kel falha está ne kel veria! Kondé ne vida bo kunsé veria dun rádio…vinde de lá dekeje konpe de Fguéra? Se kel veria tivese drét, rádio tava te toká dritin!
Fabal, arreliado como um cão raivoso, explode - bzôt de Rbera do Tore bzôt tem menia de da pe xperte ma nada bzôt sebé, apoje ese véria te méje dret ke bo kebeça, esse falha deve estód note koza ke nen ne véria, ke ese veria te dritin!

Merci, Djédjin

06 maio 2008

Esgrovét

Na sua missão de tentá esgrovetá Sintédez de lés a lés, hoje Sinta10 desenterra (literalmente) um leão que jaze algures na Vila das Pombas, Paul. Esta imagem que conta já décadas de existência, foi resgatada da saudosa Ekhos do Paul, revista trimestral editada em Santo Antão nos inícios dos anos 90.

Eis o texto que acompanha a fotografia:

"A natureza tem coisas curiosas. Pena é que nem sempre se lhes da o devido valor. Este leão (ver foto), petrificado, em posição de guarda e de vigilia perene do ancoradouro do Paço e que sobreviveu a séculos de fustigante mar bravio e do vento de nordeste, foi soterrado, em 1990, com os trabalhos de terraplanagem do novo campo de futebol na zona de -Antonio Soare, no Paul. Fica, no entanto, a
imagem para a posteridade. Ou será que ainda é possivel a sua recuperação? E se os jovens fossem lá tirar a prova, com o apoio, é claro, do Município?"

In Revista Ekhos do Paul, nº 2, Abr/Mai/Jun 1992, pág 46

Foto: Rosendo Pires Ferreira (RPF)