24 setembro 2013

NHANA - Contos e Factos


A LARGADA

Este episódio revela um dos acontecimentos mais fatídicos na vida de Nhana: partiu uma perna (a rótula) com um balaio de goiaba à cabeça. Na altura, ainda o filho primogénito nem tinha completado 2 anos. O acidente marcaria, para sempre, a vida desta mulher.

"Andei um dia intêr em cima de um exército de homens incontáveis. Julguei, verdederêmente, que eram homens filhos de Deus que me transportavam"

M
ariana estava mesmo decidida: Iria deixar Cómp de Porto e ninguém conseguia destituí-la da sua determinação em mudar de ares. Nem mesmo os conselhos da madrinha que a deu gozói enquanto aguardava o dia da largada a fez mudar de ideias. Não se pode garantir que ela tenha exitado após as advertências da sua madrinha, mas quem visse Mariana nos três dias que antecederam a partida notaria que a face estava muito carregada e que talvez andasse muito pensativa. Ou teria arrependido da sua decisão  algo pouco provável já que a mulher era daquelas que quando cismava com uma coisa não mudava nem que lume nó polpa. Ou então teria ficado abalada com o sermão da madrinha, mulher boazinha, muito respeitada nas redondezas. Esta hipótese seria a mais provável, uma vez que teria mexido com os preceitos morais e convicções religiosas de Mariana, criatura extremamente devota e que seguia (bem, pelo menos tentava) à risca os ensinamentos da “Santa Igreja Católica Romana”. Ademais, Mariana via na sua madrinha uma segunda mãe, a quem não convinha desobedecer, mesmo porque acreditava piamente na máxima ditada pela sua fé cristã e propalada por toda a comunidade: “conselho dód desprezód é meldiçon de Caím”. A isso, Mariana juntava o dito popular, não menos respeitado, segundo o qual “palavra de madrinha é sogród e sel vrá praga el te pegá que nem pegá-saia ne ropa d’elgudon”.
Como se pode notar, Mariana estava perante um dilema muito delicado, porquanto entrava pelo meio questões sagradas passíveis de entrar em choque com a sua devoção.
Mas haveria coisa mais sagrada em Mariana do que manter a palavra? Ulalá! Em nome da sua palavra, Santa Palavra, ela iria mesmo partir. Ainda faltava um dia para a retirada, mas as bujigangas já estavam todas bem preparadas.
“Filha, emnhâ bo ti té bé sempre, nem? Apôs, Deus te bé bo diente e bo trés, Ele te lem'nhób tud pósse que bô dá, quê bo séb, Kênder de Noss’Nhôr e’n de pagá nunca!” Essas palavras da Madrinha trouxeram muito ânimo à afilhada e os olhos dela brilharam que nem um candeeiro com tercida nova.
“Ma e’n nê pe esquecê um cosa” – prosseguiu a madrinha – “mésm sêbendo que quel kênder de Noss’Nhôr e’n de pagá com nenhum vento, mundo é chei de estéférme e Sténés te andá te espiá ondê impessê.”  Esta ressalva fez com que os olhos da afilhada agora minguassem um pouco, como se aquele candeeiro, qu’en de pagá nunca, tivesse prestes a secá pitrôl.   
Mas para frente é que está o caminho. O dia ainda estava a começar e a partida era só amanhâ, o tal Sábado. Por isso, até lá, a vida continuava normalmente. Mariana, que era uma mulher com especial apetência para negócios tinha a sua espera uma balaio de goiaba que iria vender em Porto Carvoeiros. O produto tinha sido colhido no dia anterior por uma senhora amiga da madrinha e até então permanecera numa tarimba à espera de destino. Mariana, depressa se prontificou em ir vender “aquela fartura”, quanto mais não fosse para, antes de partir, mostrar um gesto de gratidão à mulher que a havia amparado.
E partiu em direcção à Porto Carvoeiros. De alberca nos pés, porque o caminho era longo e a terra do deserto assava a planta dos pés, avental na cintura para ajuntar os tostões que fosse amealhando, lenço na cabeça e redia para assentar o enorme balaio em formato cilindrico e que quase transbordava de goiaba.
Já passavam das 7 horas. Mariana pede que a madrinha a ajude a aportar a pesada carga, despede-se e parte pachorrenta. “Deus te cumpónhob, filha” - acenou a madrinha.  E de facto, era preciso que o Senhor a acompanhasse a cada pisar e levantar dos pés. Até chegar ao destino, a vendedeira teria que percorrer mais de 20 kilómetros, por entre veredas que atravessavam ribeiras e ladeiras. Mas nada que a intimidasse, porquanto era usual Mariana fazer essa maratona de balaio à cabeça juntamente com as companheiras de negócio que sempre diziam: “prima Mariana que é nossa guia.” Entretanto, nesse dia tinha ido sozinha.
E mal tinha percorrido uns 4 quillómetros acontece o que menos se esperaria. Mariana, que ia a uma velocidade media (o peso da carga não a permitia apertar muito o pé no acelerador) escarrila e cai de forma encolhida. O peso do corpo e do balaio caem-lhe em cima. Mariana fica com a perna direita dobrada por baixo do corpo e uma dor insuportável a invade. A viajante tem a rótula partida. O despiste aconteceu quando se livrava de uma platcha de bosta de burro que inundava o caminho. “Já’l dá um cunclut, ja’l esclirrá, é quem quel? É Mariana de Jon Mértim” – ouvia-se ao fundo umas vozes.  Depressa vem assistência. Uma selhora, duas crianças e um homem robusto chegam ao local. Mariana contorce, as dores são insuportáveis. Com o joelho partido, a perna direita está bléngue. Enquanto os adultos fazem-lhe esfrecson, as duas crianças juntam as goiabas que ficaram espalhadas pela ladeira. Estão todas cheias de terra. Umas, depois de lavadas, ainda servem. Outras, completamente plótchód, só servirão pa dá tchuc pe cmê. 
Mas o mais importante agora é a saúde da Mariana. “Pondê no te level? Pe Carvoeiros ? Não, prêquê, pralá e’n den doctor. No levél pe Jontbent, ê remêd de terra que ti te bé curél.”
Mariana, mesmo a contorcer com dores, deu ordens para que a levassem para a casa da madrinha, de onde havia partido momentos antes. O regresso à casa era feito agora às costas, coisa que a rija mulher certamente só a fizeram quando ainda era bebé.
Depois de enfrentar algumas dificuldades (dificuldades previsíveis e inerentes à uma tarefa tão delicada como a de carregar no lombo uma pessoa com uma rótula partida) Manuelzinho, que de diminuitivo apenas tinha o nome, chegava à casa da madrinha com a mulher às costas.
Ao ver a afilhada naquele estado, a madrinha ficou inconsolada e pos-se a chorar. No meio das dores, Mariana ia dando ordens para que a aliviassem o sofrimento com um  pano de algodão embebido em água morna e salgada. Enquanto isso, Manuelzinho reunia leite de bombandeira para esfregá-la naquela junta desjuntada  ... enfim cada um era médico a sua maneira e prescrevia ou socorria dos melhores medicamentos de que dispunha.
Mesmo no momento de dor, Mariana não deixou de ser remungona e quase que esconjurou os presentes quando estes murmuravam que o melhor para ela seria regressar à casa dos pais. “Aquêlê!!! Eu vou pra Ribeira, mesmo que para isso tenha de viajar em padiola ou no lombo de um burro, que seja!
E no dia seguinte, Mariana deixava Cómp de Porto. Não em padiola, nem em lombo de burro, mas sim, em lombo de gente. Três homens, escolhidos pela sua compleição física, carregaram a mulher às costas ao longo de aproximadamente 66 kilómetros, numa maratona que  durou 13 horas. Os três cavalheiros, um deles era precisamente o Manuelzinho, iam descansando uns aos outros fazendo lembrar a procissão de Nhô São João Baptista, em que diferentes fieis vão carregando, à vez, a imagem do Santo.
Por volta das 10 da noite, os pobres homens chegavam ao destino que era a casa de nho Manuel Martinho, imão da Mariana, situada em  Ladeirinha de Ribeirinha de Jorge. Esbofados, mas animados por terem finalmente entregue a “carga”, as criaturas exigiram em troca um cálice de grogue para secarem o suor. De seguida deitaram-se debaixo de um pé de fruta-pão, mesmo em frente ao terreiro da casa,  de onde, antecipando o amanhecer do dia seguinte, partiram de novo rumo ao Cómp de Porto.

Próximo capitulo
Mariana revela alguns detalhes do namorico que manteve com Antonim. Na relacao nao chegou a ter “malcrioçon”.

19 setembro 2013

A ILHA do Sol Nascente... e poente


A Ponta do Sol não se contenta com o privilégio de ser onde nasce o Sol, ainda tem a mania de querer que o Sol se ponha ali também

18 setembro 2013

A Caminho de Fontaínhas


Pelas estradas, pelos caminhos, pelas muralhas da minha ilhas... descubro a cada instante os encantos de uma ILHA que guarda mil poemas à cada virar de uma curva.