27 janeiro 2008

MEMÓRIAS (histórias de Praia Formosa)

Cresci ouvindo hitórias sobre o naufrágio do "John", um navio americano que na década de 40 naufragara nas costas da ilha de Santo Antão, carregado de milho. O tempo era de crise, a fome grassava a ilha e a população morria a míngua. O naufrágio terá sido então um mal que veio por bem, porquanto a população, de todos os cantos da ilha, forjou uma famigerada romaria ao local, em busca de gãos de milho para "encher o papo"

As histórias são muitas... lembro-me daquelas de Nha Zidora, a causar-nos comoção e espanto. Ela que na altura acompanhara a mãe, era ainda adolescente (passaram 3 ou 4 dias a andar a pé, por entre desertos e sol ardente), até chegar ao local.
A propósito deste sucedido, deambulava pela Internet e fui desembocar neste artigo. É interessante ler este peculiar olhar sobre uma (negra e pouco conhecida) página da nossa história.
Uma homenagem a Nha Zidora, que tanto povoou o imaginário da minha infância com contos e lendas (su)REAIS sobre a ilha. Quando lá voltar espero encontrá-la ainda com forças e memória para recontar aquelas sobre São Tomé e Príncipe, para onde chegou a ir como contratada.

19 janeiro 2008

O drama da chuva e a ilusão de óptica

2007 foi mais um ano em que não choveu na ilha. Mete dó a reportagem do jornalista João Almeida Medina sobre a situação dos criadores de gado no concelho do Porto Novo, publicada na edição nº 825 do A Semana, de 30 de Novembro.
Mas, esta contou-me o meu irmão e não me contive em risos:

Dizia-me que há alguns anos um jovem das Figueiras – uma das localidades mais encravadas do concelho da Ribeira Grande - lhe contara das dificuldades que ele e sua família tiveram que enfrentar em mais um ano de seca na ilha. A chuva não veio, os campos permaneciam ressequidos e o pouco pasto que ainda se podia encontrar estava tão tostado que as cabras negavam a comê-lo. Por mais que as alimárias tivessem fome não se mostravam dispostas a meter a focinheira no pasto, isto num claro desafio à máxima local segundo a qual “burro que tem fome ta cmê até córd”
Todo aquele que, na localidade, tivesse uma cabrinha estava desanimado porque nenhuma das criaturas dava sinais de querer suspender a “greve de fome”. Nem um pingo de leite para enganar o café preto as famílias conseguiam, já que as cabras, outrora leiteiras, estavam moribundas. Então, desesperado, que resolve fazer um dos moradores?
Arranja um punhado de garrafas verdes (daquelas que trazem vinho Tinto), corta-as em forma circular e com ares de arame fabrica alguns pares de óculos, bem especiais. Colocou um par nos olhos de cada cabra e não é que os bichos começam a devorar o pasto? Pois é, as cabras, coitadas, levadas pela ilusão de óptica, pensavam que a palha estava verde e devoravam tudo que lhes aparecessem pela frente. A partir daí começaram a restabelecer as parcas forças e até ressurgiu aquele pinguinho de leite para enganar o café.
Afinal, as cabras não só nos ensinaram a comer pedras como também nos obrigaram a fabricar óculos… especiais.

Pois, é o hábito tipicamente crioulo de brincar com a própria desgraça.

12 janeiro 2008

As "alminhas de porra"

São, seguramente, a espécie de ave mais pequena que existe em Cabo Verde. Acarinhado por uns, amaldiçoado por outros, os pardais (alminhas de porra como lhes chamaram os Cordas do sol) sempre fizeram parte da vivência do homem rural cabo-verdiano. Dzusperóds que nem “menino nascido na fraqueza de lua” como dizia Baltasar Lopes em Chiquinho, os pardais formam bandos e ficam a esvoaçar de propriedade em propriedade a cata de alimentos. Frutos, legumes, ervas, larvas, pequenos insectos, flores... tudo lhes serve de petisco.
E é precisamente por causa da sua manhenteza que as vezes são uma autêntica dor de cabeça para os camponeses. Que o diga os agricultores do interior do Porto Novo que, neste momento, conforme o A Semana, estão a travar uma luta contra estas criaturas. É que os pardais estão a dizimar as colheitas de tomate e cenoura, deixando os agricultores de cabelos em pé.
Lembro-me de quando erámos obrigado a levantar bem cedo e ir às meradas guardar os pardais para que não destruíssem as plantações de milho, no momento em que estivessem a despontar do solo os primeiros raminhos. Era uma tarefa muito chata, primeiro porque tínhamos que antecipar o amanhecer, depois porque tínhamos que ser bem ágeis com as nossas fundas para poder acompanhar as constantes inversões de marcha dos bichinhos. Mas isso era apenas uma vez por ano, quando as sementes de milho estivessem a germinar, entre Julho e Agosto. O que acontecia o tempo todo era as assadas de pardais, que montávamos depois de os caçar nas sorças feitas com latas de atum e laçadas de linha de nervo.
Era um prazer dar nos dentes as canelinhas de kitch dos bichinhos e depois exclamar: “bsot ê dzesperod ma nos é que te cme bsot".
Enfim, coisas de menino… da ilha

Pardais te cmê girasol no jardin da minha mãe
Fotos: BCN

10 janeiro 2008

O combate à PDM

Aleluia, aleluia! O suspiro deve ter saído em uníssono e ecoado por todas as ribeiras, ladeiras seladas e cabeços da ilha. Os agricultores de Santo Antão vão poder, finalmente, comercializar seus produtos nas ilhas do Sal e Boa Vista, pondo fim a mais de vinte anos de quarentena por causa dos malditinhos milpés. Ahh, malditinhos não, são malditões! Imaginem, então, um bicho que resistiu mais de duas décadas à tudo e todos! Nem governos, nem governantes, nem presidentes, enfim nenhuma autoridade pôde, ao longo de todo esse tempo, arranjar forma de dominar o pirralho para assim poder levantar o embargo. Nem as antigas Milícias, nem as FARP, nem a POP e nem a PN conseguiu, ao longo de todos esses anos, barrar a passagem desses bichinhos na fronteira? Que força, hein!

Agora que somos PDM vamos, finalmente, conseguir criar um centro de expurgo para a PDM. Não se assuste, este 2º PDM refere-se à Praga Dos Milpés.

05 janeiro 2008

Mar de canal

Terminou as curtas férias de Natal e fim-de-ano na ilha. Como é doloroso o momento em que se entra no hiace para galgar as colinas rumo a Porto Novo - a agora única porta da ilha (porta por onde diariamente saem e entram centenas de pessoas)!

No dia 2 de Janeiro, ao ver as três embarcações que todos os dias fazem a ligação Santo Antão - São Vicente a se aproximarem, como que em fila indiana, do cais do Porto Novo, pus-me a pensar: - e se houvesse uma ponte a ligar as duas ilhas? Afinal, alguns dos desejos do António Ludjero Correia para Cabo Verde não são tão utópicos quanto possam parecer.
Só mesmo vendo a "ruanata" diária desses navios no canal, se pode ter a real consciência do quão importante seria tal ponte.

Afinal, como diz A. L. Correia "sonhar é preciso"