Ao ler aqui a descrição de uma caminhada pela ilha de Santiago, veio-me à memória uma caminhada que fiz no mês passado na ilha de Santo Antão. Itinerário: Cova – Vale do Paul. Peço-te licença, Paulino, para reformular a tua afirmação e dizer: “definitivamente estas ilhas… são inspiradoras!”
Éramos três. Saímos de casa as 7 da manhã. De mochila às costas apanhámos uma viatura na vila da Ribeira Grande e rumámos ao Planalto Leste. São cerca de 30 minutos de carro, sempre a galgar montanha. A brisa fria e as gotículas de orvalho que nos batem no rosto fazem-nos antever um dia ideal para aventura - sem sol ardente. À medida que nos aproximamos da floresta do Planalto Leste, os rostos começam a franzir. Uma chuvinha miudinha, cada vez mais constante, deixa-nos receosos: “hum, parece que a chuva nos vai impedir a caminhada”. Mas não, ao aproximarmo-nos da Cova notámos que a chuvinha só se confinava à parte densa da Floresta. Descemos da viatura. Esta curva-se pra direita e prossegue a sua viagem rumo ao Porto Novo. Nós, voltando p'ra esquerda, começamos a descida rumo à Cova. Pelo caminho cruzamos com um conjunto de burros que, orientados por alguns garotos, cumprem mais um dia de tarefa rotineira: o transporte de água. Após admirar cada detalhe da paisagem daquela que é a cratera de um vulcão extinto, continuamos a nossa caminhada. Já estamos a subir o outro lado da Cova e daqui a pouco, quando chegarmos ao cume, conseguiremos ver o vale do Paul, lá em baixo.
Passam alguns minutos e… hups! Está o vale do Paul lá em baixo. Uma instantânea curtina de nuvem tapa-nos a visão (até parece que alguém está a fazer uma queimada rocha abaixo! Mas não, é “fumo” natural). Dez minutos de descanso, tempo suficiente para fazer um pequeno lanche. De onde estamos, de um lado vemos o interior da Cova - que já deixamos para trás - e do outro, o Vale do Paul – que nos aguarda. Estamos debaixo de um arbusto e de repente somos molhados por alguma gotas de água bem grossas. É chuva? Não, é que veio uma neblina e ao passar pela árvore gera água. Que maravilha!!!
Já são quase 10 horas. Vamos descer. O caminho é bom, embora algo inclinado. Cabo de Ribeira está à vista, ao fundo. Ouve-se murmúrios, sons de animais e de actividade humana. Vê-se canaviais, cafeeiros, bananeiras, macieiras… a descida está aprazível e agora muito raios de sol começam a despontar por entre nuvens errantes.
Atingimos 45 minutos a descer e estamos prestes a encontrar as primeiras casas. São os primeiros contactos com as gentes do Vale do Paúl. Agricultores a trabalharem a terra, água a correr por levadas, animais a pastar, cheira-se a terra molhada, à cinza de trapiche, à mel de cana, há tanques cheios de água... vamos dar um mergulho no Tanga (um dos maiores tanques da ilha). Estamos a descer vale abaixo, já deixamos o povoado de Cabo de Ribeira e o Tanga já está bem próximo. Chegámos! O tanque está cheio, parece um mar calmo. Alguns garotos vão dando seu mergulho. Apressamos a dar o nosso também. A água está fresquinha! Parámos uns 30 minutos e por altura da nossa retirada já havia muita gente no local.
A descida prossegue, estamos a atravessar a Passagem – um dos cartões de visita do Vale de Paúl, ou mesmo da ilha. Primeira desolação da caminhada: este outrora joia da ilha está em decadência, está abandonado… incompreensivelmente! A piscina está estorricada, parece que há muito tempo não viu água (entretanto um forte caudal passa na ribeira ao lado). Os canteiros onde antigamente havia ervas verdejantes estão desertos, só se vê terra, no entanto as flores selvagens das buganvilhas, estas persistem, talvez por não dependerem tanto do cuidado dos humanos. Bem, prosseguimos a caminhada pois Passagem não está tão atraente como antigamente. O próximo ponte de passagem é a cachoeira.
Já são 14 horas. Passando por canaviais, inhames e outras plantas caminhamos em direcção à cachoeira. A vegetação é densa. As correntes de água são constantes. Cachoeira está um paraíso! Deixamo-nos ficar por cerca de uma hora. Ao som do barulho das quedas de água, almoçamos. O Fefa e o Ady, dois caminhantes que encontramos pelo caminho quando subíamos a Cova, estavam connosco e convidamo-los a almoçar. Só que não havia pratos para eles. Que solução? Serviram o seu petisco em folhas de inhame. Imagine que comunhão perfeita com a Natureza!
Deixamos a cachoeira rumo à vila das Pombas, que é onde teríamos que apanhar o carro rumo ao ponto de partida – Ribeira Grande. Pelo caminho, muita vegetação, muita admiração, e ainda muita estrada por andar. Pudemos desfrutar da beleza de um dos recantos mais lindos do país; ver uma riqueza paissagística onde abunda cana de açúcar, bananeira, mangueira, papaeira, inhame, e até dragoeiro (essa tal planta endémica de Cabo Verde, que só existe em São Nicolau (?)) Mas também vimos mulheres a lavarem roupa nas águas que correm pelas ribeiras (imagem hoje em dia pouco comum); vimos meninos a saltarem, de cabeça, de grandes altitudes para depois murgulharem como peixe no fundo dos tanques (como o Groguinha lá no tanque de Marrador, Paulino; ouvimos o chirlear de pardais, sentimos o cheiro da terra fertil, enfim…
Chegámos à Vila das Pombas por volta das 5 da tarde… Era a segunda vez que fazia a mesma caminhada, mas foi mais uma descoberta, onde se voltou a respirar a Natureza, sentir o pulmão da ilha, viajar no tempo, viver a vida…
“Definitivamente estas ilhas… são inspiradoras!"
2 comentários:
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Abração,
Paulino
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