07 abril 2006

Omnis perit labor

Era um tal 1 de Março de 2006 (por sinal dia de cinzas que é uma ocasião para muita festa na ilha de Santiago). O dia sugeria festa, alegria, mas é neste dia que sou envolvido por uma onda fria que atravessa meu corpo de fio à pavio. A razão para este sentimento chama "Tenda do El Shadai"
Se fores à Pedra Badejo, quer seja em dia de sol, chuva, bruma seca (sero) ou seja lá como estiver o tempo, dê uma passadinha à Tenda do El Shadai. E não importa se és jovem, se és bêdjo, se é governante, se és um simples cidadão, ou um reles cidadão como diria um Pinto(n) da Costa. A tenda não dista muito da capital de Santa Cruz, se está no centro da vila, tome a direcção da Achada Fátima e em 15 minutos à pé já estás lá. Se está do lado de cá, à entrada da vila, suba a Ponta Achada e, dobrando uma colina em 10 minutos estás lá. Bem, não importa o caminho a tomar, o qu'importa é que chegues ao destino.
Quando estiveres já no perímetro onde se ergue a "colónia", abrande os passos e fite os olhos nas tendas, nas suas redondezas, nas tarefas dos seus inquilinos, no aspecto da "aldeia". Por momentos és "obrigado" a chamar à mente drogas, alcool, alcool, droga... poxa, tinha que ser esses palavrões?!!
Se puderes roubar um instante do teu pensamento e puseres a pensar em como deve ser a vida num local desses, tendo em conta as impressões visuais que te chegam nesse momento, certamente que vais lembrar de refugiados, de Somálias e Eritreias, de Cuítos... porque o cenário, à primeira vista te leva a essas realidades que nos chegam aos olhos através dos telejornais. (Apenas associações de ideias, claro, porque violência ali inexiste)
Chegámos ao pé da tenda principal, uma espécie de sala de visita ou de espera. No exacto momento o som de um sino ecoava mediante o bater energético de um jovem corpolento. Após cumprir sua tarefa veio ter connosco. Convidou-nos a entrar e fomos para o espaço, que é também onde se faz o culto. Espaço agradével, artisticamente coberta de palha, em estilo cónico (bonito sem dúvida).
Enquanto esperávamos a pessoa que o Butcha, meu colega, foi visitar, fomos apreciando a decoração do espaço, em grande parte embelezado por passagens do Livro Maior (belas caligrafias, eh!) Ainda, circundando os caminhos que dão pelas diversas tendas estão pedras cuidadosamente enfeitadas e cobertas de mensagens e versículos bíblicos. "A virtude não está em nunca nos termos caído, mas sim em se levantar cada vez que cairmos" - lê-se numa enorme pedra caiada que jaze defronte a entrada da tenda maior. Esta nos chamou a atenção e exclamei: "poxa então temos aqui muitos virtuosos". Sim, porque é só ver os olhos dos que se estão a levantar após queda. Pele sentadinha, olhares vivificados e penetrantes, contrastando com a sua postura moribunda e errante quando ainda estão quedados pelas ruas a deambular.
É só ver o empenho com que cada um se dedica à sua tarefa, consonte a ocupação do dia ditada pelo calendário de actividades.
Já quase a pensar na partida eis que ouvimos ao fundo um grito - "Rapaaaaz... bzot pra li??" Volto e vejo um velho amigo, um (outrora) guia turístico de São Vicente que por contingências do seu ofício, conhecêmo-nos nas Ribeiras de Santo Antão no decurso dos já idos anos de 95 ou 96, eu ainda tchota. Num misto de várias sensações, onde era notório a alegria de ter encontrado dois amigos que há muito não vira (eu e meu irmão) e um mal estar por nos ter encontrado naquele local, o rapaz nos abraçava, recordava episódios dos tempos que nos conhecemos, perguntáva-nos pelos familiares, faláva-nos desta sua experiência no El Shadai. Sem ser interrogado sobre isso, o jovem vai respondendo: "decidi vir p'ra cá porque não queria mais levar a vida que ia levando, entrei no barco e vim, ninguem me obriga a estar cá, basta verem que aqui é um espaço aberto, quem quiser fugir pode, niguém lhe impede, mas estou bem aqui...
Ah, como espero encontrar o rapaz fora desse submundo, como o conheci há anos de tenda às costas, guiando um francês que se aventurava pelas encostas, vales e montes da minha ilha.
Impsessionante como todos se entregam nas lides da vida lá na tenda, impressionante como os olhos brilham, como estão de moral em alta. Todos que por lá passam recuperam ao fim de tempos. Infelizmente, muitos quando saem não encontram uma política de (re)integração social que possa mantê-los longe da tentação. Logo, muitos, muitos mesmo, acabam por se recair, deitando por terra todo o trabalho de recuperação. Nestes casos, tristemente se diz: OMNIS PERIT LABOR

2 comentários:

Anónimo disse...

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Anónimo disse...

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