19 julho 2008

Burro na grelha

O burro sempre fez parte do quotidiano do camponês caboverdiano. De uma utilidade extrema, este animal revelou ser, ao longo dos tempos, um grande aliado dos habitantes das ilhas mais rurais de Cabo Verde, sobretudo como meio de trasnporte (de cargas como pasto, géneros alimentícios, cimento, areia, água, pessoas etc.)

Para se ter ideia da importância do elmara, há alguns anos este animal foi alvo de uma das propostas mais inusitadas vindas da classe política nacional. Um aspirante a autarquia da Boa Vista falou na possibilidade de exportar burro da Ilha das Dunas para outras paragens (Europa? América?)

Agora, os tempos são outros... a conjuntura é outra. Tud cosa já sbi, transportá gente ta cór, quanto mais burro. Mas não é que a proposta do então candidato pode vir a ganhar sentido. Já que burro agora ti ta bai pa grelha, quem sabe venha a surgir outras ideias, digamos mais requintadas, tipo: exportar burro... ENLATADO.

Este bla blá "asnento", diga-se, me ocorreu a propósito de um post de uma cabrera. A não perder Confira aqui.

18 julho 2008

Vultos da ilha

Luis Romano
Nasceu a 10 de Junho de 1922, em Santo Antão. Estudou em São Vicente e trabalhou na sua juventude nas ilhas de São Nicolau e sal. Foi da sua vivência nestas ilhas, nos anos de fome e Fascismo, que se inspirou para escrever o célebre romance Famintos, publicado no início dos anos 60.

Coincidentemente, Luis Romano e Januário Leite nasceram no mesmo dia - 10 de Junho (dia de Camões, de Portugal e das Comunidades Portuguesas)
Luis Romano ainda é vivo e reside em Natal, Brasil, desde 1962.

Símbolo
O formato daquele berço foi um símbolo
O menino em miragens impossíveis
dormia sonhando com navios de papel
enquanto eu contemplava
a cismar,
o conjunto daquela harmonia
sumindo-se na linha do mar.

Navio-berço de menino crioulo
navio-guia que ficou sem ir"
navio idêntico ao navio da nossa derrota parada".

(Luis Romano, Clima, 1963)

04 julho 2008

Queijo

Ao referir, no post anterior, à "casca" de queijo lembrei-me das farras que fazíamos na ilha: queijo com pão, comprado lá na casa de Nha Guida. As quartas-feiras aguardávamos ansiosos a chegada da senhora que ia à Lagoa abastecer de queijo fresquinho para depois comprarmos a 120 escudos unidade.

Hoje o cenário está mais complicado. Chuva escasseia-se, pasto nada, queijo nem vê-lo, ou se há, o preço dispara. O cenário é tão desolador que a fábrica de queijo de Porto Novo teve mesmo que interromper a actividade, como se relata aqui.
Ontem a chuva falou mantenha. Oxalá seja o prenúncio de um bom ano agrícola para que possamos ter pasto à-vontade e queijo inguêrrnel, quanto mais não seja para não voltarmos a contar estórias como esta.

03 julho 2008

VIVA QUEL VIM (Memórias de escola primária)

Retomando aqui as memórias que vieram à tona através dos comentários de alguns leitores (Mnininha de Puvoçon, Boltchor, Vera...) sobre o saudoso "viva quel vim"... ´

Era a meta que todos auguravam alcançar: transitar de classe para poder integrar a comitiva que no dia x sairia de porta em porta à cata de quel bolo, quel pipoca, quel torresma. Por isso era imperativo estudar e aprender a lição porque, caso contrário, bo'n dava passá, logo bo'n dav dá viva, logo bo tava fcá sem quel fétin novo.
O empenho era (quase) total. Todos queriam estar na mesa do exame a encarar os dois professores. E aqueles que fossem "cabeça dura" eram-lhes pedidido que sentassem em casa semanas antes do exame (coitados, ficavam retidos no crivo da sebatina: tabuada (8 X 7 = ???), gramática, Meio Físico e Social...
Aqueles que ficassem "apurados" morriam de ansiedade e a conversa era outra: quem que ti te bé inzemnób? É Dona Joana. uhau, ela é ménsinha! E'n ne nada, é senhor Antão, onhémén, el é mau!

No dia do exame: cólê texto que bo dá? mim e'm escolhê "A chuva amiga" e bo? Mim foi professora que escolhe'm nhe texto, e'm dá "Maravilhas do Mar. E bô? mim e'm escolhê "O cabritinho Obediente". Uahh, quel texto lá é sébim, mim e'm te elel etê de cor: (...) conta-se que um dia a mamâ cabra antes de sair da casa disse ao cabritinho: - fecha a porta com a tranca e não abra a ninguém!
Djon, cuitód, ele reprová ne mesa de exame. Quel lá gora é triste.

Ninguém queria ter, em Julho, um desfecho tão trágico. Por isso, a preparação começava desde Outubro do ano anterior e todos os detalhes eram levados em conta. Outros, desconfiados e supersticiosos, apostavam em plantinhas com tendências visionárias: pegavam nas folhinhas de uma planta, que agora me escapa o nome, e colocavam no meio do caderno. Se esta murchasse, hum, mau sinal! Mas, se ao contrário, permanecesse viva, hey... bons ventos.!!
Mas também era expressamente proíbido comer "casca" de queixo porque, de um potencial triunfador, poderíamos ir para o banco dos "cabeça dura". Afinal, as vitórias conquistam-se com muito trabalho e as vezes um pormenor é importante, hehehe. Não fôssemos transformar no fim do ano numa "raposa" devido a uma simples manhenteza como uma raspa de queijo, Deus defendê!

Tive a sorte de Dá viva ao longo dos quatro anos de escola primária. Assim que terminei a 4ª classe, em 1994, extinguiu-se, com a Reforma, o Viva quel vim. E morreu parte do encanto que envolvia todo o ensino primário. E nunca mais se ouviu cantar: manzinha dzê, quem fcá roposa, ali ca ta entrá! purrli? purrlá, 4ª classe ca brincadêra.