26 agosto 2010

Ribeira Grande: um concelho, duas vilas (duas cidades, aliás)

Na passada segunda-feira, 23, foi publicada no Boletim Oficial a decisão que transforma em cidade todas a sedes de municípios em Cabo Verde (Lei n.º 77/VII/2010). Por conseguinte, o país passa a ter 25 cidades, sendo 9 em Santiago, 4 em Santo Antão, 3 no Fogo, 2 na ilha de São Nicolau, 2 no Sal e as restantes ilhas juntaram-se à São Vicente com uma cidade cada.
Voltando o focinho para a ILHA: o concelho da Ribeira Grande de Santo Antão ganha, de uma assentada, duas cidades: Puvoçon e Ponta do Sol.  Vamos lá falar destas duas urbes, ou melhor destas duas cidades. Tenho uma relação especial com elas. Puvoçon é a minha primeira referência em termos de vivência urbana, é minha escola... era para lá que minha mãe me levava, ainda ao colo, para tomar vacina no então PMI-PF. É a vila das minhas lembranças nos tempos de escola. Foi lá que eu fiz todos os meus estudos secundários e, antes, boa parte dos estudos primários/ básico-integrado.

O meu contacto mais assíduo e consciente com Puvoçon (a nossa agora cidade) começa no ano de 1993. Estávamos em finais de Setembro e ansiava por começar a 4ª classe (a tal classe que, no viva kel vim, todos diziam “ca era brincadera”). Até então tinha estudado na escola nº 9 de Lugar de Guene, (Ribeira da Torre) na famosa escolinha coberta de palha que serviu muitas gerações, mas que a partir do ano lectivo 1993/94 deixou de funcionar como estabelecimento escolar devido ao seu avançado estado de degradação. 
Fomos então transferidos da modesta escolinha de palha, de duas salas apenas, para a majestosa Escola Central, mais tarde rebaptizada Escola Roberto Duarte Silva. Foi um choque: muitos alunos, muitas salas, muitos professores, e nós, meninos com ares rurais, a tentar imiscuir num meio estranho.
Passado pouco tempo já sentia um peixinho a nadar num espaço bem meu. E depressa já conhecia todos os cantos, recantos, ruas, ruelas, becos, gentes e tudo mais da vila, agora cidade. E assim foi até 2002, ano em que concluí o ensino secundário no liceu Suzete Delgado.
Com Ponta do Sol a história é diferente. Era o lugar xique que povoava a o meu imaginário de menino: aeroporto, avião, Légéd, barcos, botes, Empa, o grande edifício da Câmara Municipal... queria lá ir, ia mesmo! Acompanhava meus irmãos mais velhos ou minha mãe nos expedientes nessa vila. Certidões de Nascimento, Bilhetes de Identidade, tudo que dissesse respeito aos serviços de Cartório e Notariado era (é) na Ponta do Sol. Queria ir só para ver o mar de mais perto, ver botes, peixes ainda vivos a saltitar dos botes da Boca de Pistola, avião (Djô Canela) enfim...
Vila bonita, arrumada, ruas largas e limpas, sempre admirei a Ponta do Sol. Hoje a minha relação com essa vila (cidade, aliás) é mais profunda e efectiva. Ultrapassou, por razões sentimentais, aquela relação que mantenho com Puvoçon.
Conheço muito bem estas duas vilas (cidades, aliás). Estão separadas por escassos 4 quilómetros e 50 escudos chegam para uni-las. O tráfego diário de pessoas e produtos entre estas duas vilas (cidades) foi sempre intenso. Intensa é também a rivalidade entre elas. Outrora maior ainda e era mais notória nas partidas de futebol entre as equipas de Rosariense (Puvoçon) e Solpontense (Ponta do Sol) e no Carnaval quando grupos de uma e outra vila (agora cidade) se encontravam. Mas as duas vilas (cidades, aliás) coabitam numa complementaridade interessante. Algumas instituições e serviços estão numa vila (cidade), outros estão noutra. A vida no concelho se projecta e desenvolve-se em torno dessas duas vilas (cidades, aliás). Hospital Regional, liceu, os melhores mercados estão em Puvoçon. Ponta do Sol é o quartel-general do poder local, a capital administrativa do concelho, digamos. Alberga os Paços do Concelho, os serviços Fiscais, o Cartório Notarial, a Cadeia Regional... Puvoçon já não pode crescer mais em termos espaciais, saturou-se e resignou-se por entre montanhas. Ponta do Sol caminha para o mesmo destino. Terrenos já não há.
As duas vilas dormiram e acordaram cidades, tal como muitas outras colegas por este Cabo Verde fora. Nem sequer sonharam! Acordaram cidades e cidades agora vão permanecer. Não sei se as duas urbes pularam de contente ou se encolheram os ombros; se soltaram gargalhadas desmedidas ou se riram timidamente em tom irónico… enfim não sei qual foi a reacção dessas duas vilas ao acordarem-se como cidades. A ILHA agora tem 4 cidades. Porto Novo já não pode gabar-se de ser a única na ilha. A vila das Pombas também agora é ex. vila, é cidade.

Da vila das Pombas não falo porque não tenho uma relação forte com essa vila (cidade, aliás), não conheço os seus becos ou as suas ruelas, a sua vivência como conheço as de Puvoçon e Ponta do Sol. Só conheço a única rua dessa vila, a avenida que começa onde começa a cidade e acaba onde acaba a cidade. Por isso não vou falar dessa cidade. Só vou tentar aprender a dizer Cidade da Vila das Pombas (uups! Assim não! Deve ser Cidade das Pombas). Mas também terei que aprender a dizer Cidade da Ponta do Sol, Cidade da Ribeira Grande de Santo Antão (prefiro dizer Cidade da Povoação ou Puvoçon, se bem que essa designação possa parecer contraditória. Quanto à cidade do Porto Novo, todos já sabem chamá-la cidade.


Mas estou confuso. Vou à ilha e não sei como me dirigirei às duas cidades do meu concelho! Elas me conhecem desde pequenino, viram-me crescer, deram-me drops, rebuçados e outras guloseimas. Deram-me carinho, tenho muito respeito por elas. Quando for abordá-las, como farei? Chamar-lhes-ei cidade? E se responderem: “por amor de Deus, trata-me por Ponta de Sol, por Puvoçon”. E se antecipasse e chamasse cada uma logo pelos próprios nomes, que diriam? Será que me levaria a mal? Será que achariam falta de respeito da minha parte? E se me disserem com ar de reprovação: “agora sou cidade, respeito é bom e eu gosto”. Bem vou tentar encontrar uma solução.


De repente lembrei-me de uma tal cidade linear. Onde foi mesmo que li isso? Já sei, foi num artigo de António Jorge Delgado, publicado há muitos anos, acho que na saudosa revista Kathos do Paúl. Ele propunha na altura uma única cidade linear que abarcaria todas as três vilas da costa norte da ILHA. Será que desistiu da ideia? Desisto eu de escrever mais sobre tantas cidades (cidéd inguerrnel! - diria o outro)

Fotos: BCN

11 comentários:

Canto da Boca disse...

Espero que encontres a forma como se referires aos seus concelhos, porque eu quando me refiro a Cabo Verde, Santo Antão, chamo-os, SAUDADE!

Abraço!

Benvindo Chantre Neves disse...

Hehehe, interessante! Saudade está sempre presente, mesmo que ainda não tenha encontrado a tal forma de me dirigir às minhas agora cidades.

Abraço

Paulo disse...

Em Portugal, também houve uma inflação de cidades. Muitas delas tinham «Vila» no nome e mantiveram o nome (a exceção foi Vila da Feira, que trocou «Vila» por «Santa Maria»).
Vila Nova de Famalicão, Vila Nova de Gaia, Vila Real de Santo António, etc.
Abraço

Benvindo Chantre Neves disse...

É verdade, pelos vistos vamos continuar com as nossas vilas... das Pombas, do Maio, de sal Rei, enfim.

Abraço

Calu Fortes disse...

Excelente texto Bava!!

cidéd de Ponta d'Sol...muito estranho...hehehe, vai ser difícil acostumar!

já bô seb Bava, cond bo tiver te bé visita nós, bô tem k dzé "hoje m te tchi pe cidéd" ...hehehe

JN disse...

APRECIEI o texto!
Porém,fiquei confuso, dada a irónia suave que percorre todo o texto...de como designar as nossas saudosas vilas? cidades por júbilo ou por respeito às leis ? vilas por... por... incredulidade ou por saudades do bom e honroso nome? Hum... é CV no seu apogeu maníaco! 9 ilhas habitas 25 cidades... uma boa média...
blá blá blá...

Benvindo Chantre Neves disse...

heheh, ya dtxi pa cidade!Ó Calu, e quem já tiver la ne Ponta de Sol (ne Rua Cor de Rosa, por exemplo) qdo el tiver te bai pe Praça manera kel te dzê? dtxi pa Morada?hahahaha

JN... "saudosas vilas", até parece que jas morrê td em vez de criá, hahahah. Abraço

Anónimo disse...

mut bem escrit ermon!
ma txé'm dzêb: puvoçon (ondeh k'm nêcê) e ponta de sol (ondeh q nhé pé nêcê), por més q 1 pequeno número de cbiçud (ou armod em cbiçub) acrescentés ou trés part de ces nome, não passará disso... mod kel essência de kej 2 pdecim de txon q oié'm vingá, soh te dependê de kem te vivê e mordê lá tud dia. Moda nha tio vavá (irmon de António Jorge delgado, que defendê kel cosa q bo dzê e mais outros interessantíssimos q não serão tidos em conta por não estarem de acordo ao SISTEMA)te dzê: "puvoçon ê virgem, ma em vias de prostituí"... nô ti te perdê nos essência, não mod evolução, ma sim mod "boa gent" ti te txá ser vencid pa "gent mau", mesmo sendo "gent mau" um minuria... enquanto nôs "boa gent" en sei de brók, nô ti te vendê nôs lugar tud de bkedim... ma hm tei na linha de frent dess luta. te felté'm só més uns trupinha pa juntá ma mim ness exército... abraçao ermon

Déy Leite

Benvindo Chantre Neves disse...

Dey, ja'm tinha k'rriid ne espensôn!Ógora ja'm listá ne bo exército,hehehe.

Mim um tem txmá kel tal minuria é "kel Oliguérkia" ke já criá cal ne kel elgar (c...)

Ma pe frente é que está marcha!
Abraço

Anónimo disse...

Exat eh quat... hm sebe q hm podeh conta q bo ness luta..."boa gent" en de gatcha, gen dem melded pa escondeh...
Abraço

AStefan disse...

Gostei imenso do post. Está a fazer um ótimo trabalho com o blogue.