29 abril 2008

150 anos da Praia com olhar sampadjud

Hoje, Sinta10 contorna um pouco a sua linha editorial, assente em esgrovetá Santo Antão de lés a lés, para escrever duas linhas sobre a Cidade da Praia, que completa 150 anos.


Cheguei à Praia em Outubro de 2002. Na altura a cidade tinha 144 anos. Cedo interessei-me por conhecer melhor a capital do país, andei muito a pé, conheci pessoas de diversas proveniências, fiz solilóquios junto ao mar (como aquele nosso poeta) ; quis partir mesmo sabendo que tinha que ficar; enfim tive mil sentimentos. Aprendi a amar a cidade, e hoje, depois do meu Sinta10, aqui é onde mais gosto de estar.
Aprecio o que de bom a Praia tem para oferecer aos habitantes e, embora possa parecer pouco, a Praia tem muitos encantos.
- A nadar já fui duas vezes ao Ilhéu de Santa Maria (que bom! de certeza que lá irei mais vezes)

- Fui muitas vezes de manhã à Quebra Canela (há muito que não vou, não sei bem porquê, mas adoro a praia)

- Vou à tardinha ao Plateau e curto sem manhã a azáfama que inunda as principais ruas do bairro (mesma coisa observo no Sucupira)

- Enfim, coisas aparentemente banais... (mas tenho a mania de querer ver tudo em quase nada)

Gosto da cidade... e nestes 6 anos de convivência com a velhinha (?) que agora faz 150 anos, já aprendi muito. Sim porque gosto de escutá-la, apreciar o seu semblante, conviver com ela... Parabéns à Cidade da Praia
Foto: expressodasilhas.cv

22 abril 2008

Contos e factos

Nasci gósterdia! Não encontrei nada, não cheguei a ver nada, mas ouvi (e oiço) muita coisa. Adoro sentar com os velhos da ilha e escutar as histórias dos anos da sua juventude. Vivências e peripécias da década de 30, 40, 50... me fascinam!

A Sova (contingências de um castigo precoce, entretanto, não consumado)

João Bento, 13 de Dezembro 1945

“Estou indo para a Ribeira, para não ter filho de Antonin, nem de casado, nem de solteiro, para não 'danar' a minha família”


Esta foi a resposta que a Mariana deu ao seu pai quando se viu obrigada a apresentar uma justificativa para a sua largada de João Bento, zona algures no interior do concelho do Porto Novo. O Senhor João Martinho, pai da Dona Mariana, era um homem desaforado e pouco dado a conversas. Nunca se predispunha a ouvir explicações antes de aplicar uma sova de chicote com vara de marmelo a um filho. Desta vez, rompendo um pouco com o hábito, chamou a filha e, com um olhar fixo numa parede, pediu-lhe explicações acerca daquilo que momentos antes ouvira da boca de vizinhos: a Mariana estava de partida para Ribeira, onde passaria a residir, deixando assim o Cómp de Porto.
Ouvida a explicação, Nhô João Martinho calou-se. Por longos minutos pai e filha permaneceram em silêncio, sem se olharem um para o outro. O olhar de João Martinho continuava fito na parede, enquanto Mariana não se levantava a cara do chão.
De repente o pai quebra o silêncio e com uma voz forte e acusadora disse: - sai da minha presença… afinal não é o que queres?
Mariana saiu pé ante pé, tão devagar que parecia recear uma investida do próprio solo que pisava, contra ela. A partida para a Ribeira devia acontecer dentro de três dias, num sábado. Por isso, até a largada, Mariana não queria que houvesse mais motivos para alimentar a ira do pai.
Como que a querer aliviar um pouco o peso da consciência, Mariana pegou num balaio e caminhou em direcção à Merada de Ladeirinha, à cata de feijão.
Estava-se no mês de Dezembro, ainda não havia muita produção, e a apanha de feijão era um processo demorado, já que se ia apalpando e escolhendo as vagens cheias das que ainda deviam permanecer na mãe.
A Mariana tinha deixado em casa o filho de 1 ano e 11 meses. Já passava do meio-dia e ainda não tinha regressado à casa. O pequeno Joãozinho não parava de chorar. A dona Gertrudes, mãe da Mariana, acalentava-o mas sem efeito. Cada vez o petiz chorava com maior intensidade e não dava sinais de querer interromper essa sua tarefa.
Há três metros de distância Nhô João Martinho encontrava-se sentado na soleira de uma portinha que dava para uma despensa contígua à uma cozinha em estilo funco, onde se preparava os matares-de-injú. De pernas esticadas, preparava algumas gavelas de cordas de carrapato para uma amarração de palha de milho que tinha agendado para o dia seguinte com alguns trabalhadores em Fajânzinha de Trás, uma merada algures em Ribeira dos Bodes. Concentrado no seu afazer, João Martinho parecia não estar a ouvir aquele choramingar do neto. Ou então, se ouvia, não esboçava nenhum sinal que denotasse alguma perturbação causada pelo nhéc nhéc nhéc ininterrupto do pequeno. Enquanto permanecia pachorrento na sua tarefa, a esposa, com uma calma impressionante, ia fazendo de tudo para que o netinho parasse de chorar, sem entretanto conseguir os seus intentos.
De repente, o estado das coisas muda. Nho João Martinho, que até então tinha se mantido no seu canto, levanta-se com fúria e dá duas voltas pelo corredor. Pela forma como o fez, adivinhava-se que algo pouco simpático estaria prestes a sair das entranhas do velho. E depressa se confirmou a suspeição. Ao fim da terceira volta pelo corredor, o homem lançou um forte suspiro, que as suas narinas pareceram soltar fumo qual turbinas de um trem movido à carvão. Dona Gertrudes, que bem conhecia os sinais do seu marido, começou a ficar tensa: - “Meu Deus, este homem já não está bem, o que é que ele estará a pensar, hein?” – suspirou Gertrudes.
E mal a mulher formulou o seu raciocínio, nho João Martinho sentenciou: “Dá-me cá esta merdinha, vou ver se comigo ele não pára com esta berraria”. E sem coragem de se opôr à ordem do marido, Gertrudes entregou-lhe o neto e correu para dentro da casa para fazer orações. Mas de nada iria valer as preces da mulher. João Martinho pega no pequeno chorão, leva-o para o cume de uma parede, ata-o as perninhas com uma das mãos e dependura-o de cabeça para baixo. Xpundród qual cabrito prestes a ser pêrrnód, o menino intensifica a berraria, fazendo lembrar os últimos instantes da vida de um pequeno capóde quando solta os apertados berros por entre a corda de piadura e a faca do matador. Entretanto, no exacto momento em que João Martinho se prepara para aplicar a primeira chicotada ao menino, Mariana surge em frente ao corredor com o seu saco de feijão à cabeça. Desesperada, larga a carga e grita em alvoroço: - “se o senhor vai fazer aquilo ao meu filho, é melhor que o deixe e faça comigo tudo o que quer fazer com ele.” À súplica da mãe, o velho ripostou: - “na verdade, é contigo que eu faço isso”. Mas a aflição de Mariana deve ter trazido à lembrança do velho a história da legítima mãe no Julgamento de Salomão. Sem soltar mais qualquer palavra, João Martinho largou o chicote e entregou o filho à progenitora, retomando, de seguida, a tarefa que havia interrompido.
Enquanto isso, Mariana, sentindo-se ameaçada com a ira do pai, arrumou de pronto os seus parcos pertences, meteu-nos numa pequena maleta que a sua madrinha lhe tinha oferecido e abandonou a casa dos pais. Foi então morar numa pequena casinha da sua prima, a três quilómetros de distância, numa zona chamada Chã Vermelho. E ali permaneceu com o filhinho até ao momento da sua largada para Ribeira, o que viria a acontecer três dias depois.
Mariana acabaria então por deixar o Cómp de Porto com uma justificação mais forte do que aquela que sustentara quando fora instada pelo pai a justificar a sua decisão de mudar de região. O “partir para Ribeira para não ter filho de Antonin”, de quem se dizia ser bruxo, dava lugar à uma espécie de obrigação em se retirar por ver a integridade física dela e do seu bebé ameaçadas após a atitude do pai.

to be continued...

19 abril 2008

Dia dos monumentos e sítios - um olhar diferente

Ontem era dia dos monumentos e sítios. Há dois anos, por esta ocasião, lançava um olhar sobre Alcatraz. Este ano fui até o meu sinta10 escolher a estrada Porto Novo-Ribeira Grande. Para mim a obra é um autêntico monumento edificado por dezenas de herois anónimos que, de cordas amarradas à cintura iam escrepando rochas, pondo a vida em risco. Até ainda custa-me entender como esses herois, que não tiveram direito à bustos, conseguiram abrir o Delguédin

12 abril 2008

Bananas (de borla)

A desventura do Paulino em ter pago em Assomada 700 paus para meia dúzia de bananas dá que pensar. Tentando compreender como foi possível chegar à simpática soma, fiz muitos cálculos mas fiquei QO. Então, dei duas voltas à cabeça e fui vasculhar as minhas vivências em Santo Antão, marcadas por uma relação muito próxima com a banana, desde o plantio, a rega, a limpeza, o corte (colheita), o transporte e, claro a devoração do fruto.
Lembrei-me daquelas "impolas" na palma das mãos quando perfurava-mos os buracos para meter as "herdeiras"; dos fusos insuportáveis que vinham dos nabos (caule apodrecido da bananeira) que cortávamos para tapar buzil e interrnôdor no momento da rega (nota-se que horas depois éramos nós a gerar esses fusos - meu irmão David tornou-se especialista nesta "arte"); das picadas insuportáveis das centopeias que quase sempre se encontravam no meio desses nabos; daquela chatice em carregar os cachos, com o receio de ficarmos com a nossa vestimenta pintada de nódoas; dos concursos a ver quem conseguia comer mais bananas em menos tempo...
Pois é, por altura do verão, com o calor as bananeiras produzem mais e as bananas começam a amadurecer mais depressa. Nas hortas encontrávamos cachos maduros, com pardais ta engordá na banana e nós, convivendo com estes pequenos concorrentes na descontra, íamos fazendo as nossas farras.
São muitas as espécies desse fruto: banana anã: vão para São Vicente às carradas e eram aquelas que mais comíamos; banana santoma (de São Tomé): mais cara que a anterior, era para "ramos" e vendas pontuais; banana prata: sobretudo para encomendas; banana macho: para comer frita; banana rôcha: para comer em família, porque rara... Enfim, outras como gigante, inglesa, etc. logo se via o que fazer com cada indana.
Bem não sei que espécie terá o Paulino comido. Se for anã... não sei que zer; se for Prata, talvez a bananas fossem literalmente de prata; se for santoma, talvez por ser muito rara aqui em Santiago; se for macho, talvez cada unidade pesasse um kilograma; se for rôcha, talvez devido à sua beleza. Se forem outras espécies.... heh, tá difícil continuar...
Fotos: banana rôcha de Ribeira da Torre (por BCN)

02 abril 2008

FIGURAS DA ILHA - Ménél Brôco

Os textos do Boltchôr aqui no seu blog me têm feito lembrar algumas peripécias de personagens castiças da ilha. Hoje, lembrei-me do Ménel Bróc, lá de Selada de Ribeirinha de Jorge. Cuitód, el e'mrrê vítima de atropelamento, em circunstâncias muito estranhas e nunca clarificadas (Déus te dél um descónse ne sê alma)
Ménel era Brôc, l'en dava uvi nada, nada, nada, gent tava falá ma el era sô k gesto. Um dia el tava te dtchê ne tchida de Selada e el incontrá dôs mlhêr ne ses conversa. El pará, el cumprimentés e el fcá la pósmód um bquédin. Possód uns moment, el voltá pê ês el dzê, cum ar incmodód:
- "Bem, mim já bé te dtchê, bsot te ne bsot segréd, més log bsot t'uvil lá drriba, bsot e'n de bé dzê quê mim k já léstrél"
Caramba, como seria possível Ménél lastrá quel segréd se el era brôc?!!! Bsot dzê'm